A comunidade indígena equatoriana Sapara está de luto. A líder Mukusawa Luisa Santi Ashanga morreu em março em Quito, não muito longe da floresta que a viu nascer. O falecimento de uma das raras pessoas fluentes no idioma coloca ainda mais em risco a cultura desta etnia.
Eric Samson, correspondente da RFI em Quito
Embora sua idade exata seja desconhecida, acredita-se que Mukusawa Luisa Santi Ashanga teria cerca de 90 anos. Ela foi hospitalizada longe de sua comunidade de Llanchamacocha, no leste do Equador, onde acabou sendo enterrada ao pé de uma montanha “para que não fosse levada pela água”, conta o filho Manari Ushigua. Como manda a tradição Sapara, o corpo da líder permaneceu por dois dias diante de sua modesta casa de madeira e teto de palmeira, para que sua família pudesse “compartilhar sua tristeza”.
Com a representante indígena, se vai também uma parte da memória viva dos Saparas. Dados de 1680 mostravam que eles eram 100 mil, mas a comunidade foi dizimada por doenças trazidas por colonizadores e escravagistas do comércio de borracha no Equador.
Segundo as autoridades do país, no início do século XX, a etnia ainda contava com cerca de 20 mil membros, mas desde então o declínio de intensificou.
Comunidade ameaçada
Em 2010, apenas 559 pessoas se identificavam oficialmente como Saparas no censo nacional: esse número dificilmente aumentou desde então. A etnia está hoje distribuída em onze localidades, segundo Manari Ushigua, ex-presidente da organização a Nacionalidade Sapara do Equador (Nase). Mesmo considerando os Saparas do Peru, entre os quais muitos se identificam como “os Quéchuas do Tigre”, essa cultura indígena amazônica, célebre por sua interpretação dos sonhos, está claramente ameaçada.
Em 2011, apenas oito seniores ainda falavam a língua fluentemente. Em 2017, restavam apenas quatro, após a morte de Cesario Santi, de 100 anos, sábio da comunidade de Jandiayaku, na província de Pastaza.
Com o falecimento de Mukusawa Luisa Santi Ashanga há mais de dois meses, resta agora apenas Malaku Ushigua, uma indígena quase centenária que vive na pequena cidade de Shell, no centro do Equador.
A luta da comunidade para ter existência reconhecida
Salvar essa língua – que é patrimônio oral e imaterial da humanidade segundo a Unesco – é tarefa agora dos mais jovens. O linguista Carlos Andrade conhece a dimensão desse desafio. De 1998 a 2008 ele estudou a cultura Sapara a pedido da Unesco. O projeto, aliás, incentivou a etnia a lutar para que a nacionalidade Sapara fosse reconhecida além da Organização dos Povos Indígenas da Província de Pastaza e para que o território de 250.000 hectares fosse demarcado.
“Criei o primeiro dicionário Sapara”, conta Andrade. Mas “essa questão do patrimônio intangível não era um tema prioritário na agenda cultural dos países latino-americanos e muito menos do Equador”, reitera.
Como proteger uma língua em risco de extinção? “A educação bilíngue multicultural poderia ter sido uma solução, mas no Equador ela só abrangia o quíchua e o shuar”, aponta Carlos Andrade. “Além disso, onde encontrar, na época, professores Saparas?”, questiona.
A pedido da Unesco, dez jovens Saparas serão enviados à Universidade de Cuenca para se formarem como professores. Mas Andrade não acredita que isso será suficiente.
A etnóloga Anne-Gaël Bilhaut, da Universidade Paris Nanterre, que estudou os Saparas de 2000 a 2003, também expressa o seu ceticismo. “Se ainda houvesse umas trinta pessoas falando a língua, talvez eu fizesse outra avaliação”, diz.
Em 2001, foi criada a Direção da Educação Sapara, subordinada à Direção da Educação Bilíngue. Professores foram formados, mas eles nunca haviam realmente falado o idioma. “Isso não é suficiente para salvar uma língua”, lamenta a pesquisadora.
Manari Ushigua, líder da comunidade de Llanchamacocha, se recusa a desistir. “Há 25 anos, não havia professores, não havia escolas, então o que temos hoje é melhor do que nada”, observa.
Sua companheira, Belén Paez, que dirige a ONG Pachamama, também aposta na juventude Sapara. “Mayra, uma neta de Mukusawa, aprendeu noções básicas de Sapara com sua avó. Vamos tentar fazer com que ela possa ensinar a língua em Llanchamacocha”, diz.
O rap como forma de propagar a cultura Sapara
Nesta comunidade isolada na selva, uma pequena escola oferece alguns livros em Sapara que se assemelham mais a livros infantis do que a materiais escolares. Como são poucos, os jovens da etnia muitas vezes precisam se casar com membros de outras comunidades Quíchua ou Shuar. Uma vez em casal, falar quíchua torna-se mais natural do que se esforçar para manter uma língua materna que pouco dominam.
Alguns, no entanto, insistem, e de uma forma pouco convencional. É o caso de Nema Ushigua e seu irmão Akamaru, que fazem rap em Sapara. Segundo eles, essa é uma forma de se expressar e alcançar jovens tanto na floresta quanto nas cidades.
“Nossos sonhos nos disseram que era hora de acordarmos e ajudarmos a floresta, de falarmos por ela e por seus direitos. Escolhemos fazer isso com a tecnologia e o rap, porque essa é nossa música e nossa forma de nos comunicar”, afirma Nema.
Os sonhos são levados muito a sério na etnia Sapara. “As decisões da comunidade são frequentemente tomadas após a análise de seus sonhos”, observa a pesquisadora Anne-Gaël Bilhaut.
Manari Ushigua e a ONG Pachamama criaram, aliás, o centro Naku (que significa floresta em Sapara) para todas as pessoas interessadas na ideia de explorar seus sonhos. O local foi inclusive visitado pelo ator americano Channing Tatum.
“Nossa cultura está em perigo de extinção”, afirma Manari Ushigua. “Decidimos compartilhá-la para que as pessoas de fora compreendam quem somos. Se o pior acontecer ao mundo Sapara, ao menos alguns se lembrarão de nós.”