Resumo
Jair Bolsonaro usou trechos da biografia de Pepe Mujica para criticar Lula durante a campanha presidencial de 2022; Mujica, ex-presidente do Uruguai, faleceu em 13 de maio de 2025, aos 89 anos.
José ‘Pepe’ Mujica, que morreu nesta terça-feira, 13, aos 89 anos, foi um dos grandes líderes da esquerda na América Latina. O ex-presidente uruguaio, no entanto, já teve uma de suas obras usadas por Jair Bolsonaro (PL) em provocação a Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Durante live em agosto de 2022, o então presidente brasileiro se referiu ao livro ‘Uma ovelha negra no poder: Confissões e intimidades de Pepe Mujica’ para apontar ligações do adversário político com o escândalo do Mensalão e de um possível desejo de afastar o Paraguai do Mercosul e colocar a Venezuela no bloco econômico.
“Me trouxeram aqui só para dar mais uma olhada. Em livro, Mujica diz que Lula se referiu ao Mensalão como a única forma de governar o Brasil. […] E nesse livro do Pepe Mujica tem uma passagem muito importante, eu lembro até hoje, tem uns cinco anos que eu li esse livro, nas páginas 199 e 200. Aqui, no último governo de uma senhora aí, queriam afastar o Paraguai para colocar a Venezuela no Mercosul. Então, veio uma pessoa indicada pelo Pepe Mujica aqui no Brasil, isso está no livro do Pepe Mujica. O livro é ‘Uma Ovelha Negra no Poder’. E na mesa do presidente, eu ocupo agora no momento, foi apresentado para essa pessoa, que veio lá do Uruguai para cá, vídeos, gravações telefônicas, papéis, documentos, segundo o Pepe Mujica, coletados para a presidente brasileira naquele momento, pelas inteligências cubana e venezuelana. Então, vale a pena ler esse livro, em especial as páginas 99 e 200. Como era a inteligência de uma presidente da república, que governava o nosso país, e quem a socorria com informações para tomar decisões. As inteligências cubanas e venezuelanas”, disse Bolsonaro em live.
O livro em questão é a biografia oficial de Mujica, escrita por Andrés Danza e Ernesto Tulbovitz em conversas com o ex-presidente. A obra conta com passagens que recordam encontros do líder uruguaio com outros nomes da esquerda sul-americana, incluindo Lula e Dilma Rousseff (PT).
No primeiro episódio citado por Bolsonaro, Mujica, na verdade, relembra uma conversa com Lula sobre as dificuldades de governar um país: “Lula não é um corrupto como foi, sim, Collor de Mello e outros ex-presidentes brasileiros. O mensalão é mais velho do que a cuia do mate”.
Pepe também destaca uma conversa em que culpa demonstra ‘angústia e um pouco de culpa’: “Neste mundo, tive que lidar com muitas coisas imorais, chantagens. Essa era a única forma de governar o Brasil”, disse Lula a Mujica, de acordo com o livro.
O segundo dos acontecimentos citados por Bolsonaro aconteceu durante as tratativas pela suspensão do Paraguai no Mercosul. De acordo com a obra, o ex-presidente uruguaio, Dilma chamou um funcionário do governo uruguaio a Brasília (DF) para uma denúncia secreta de um golpe de Estado no contra Fernando Lugo, ex-presidente do Paraguai.
“Durante a conversa, Dilma lhe mostrou fotografias, gravações e informes dos serviços de Inteligência brasileiros, cubanos e venezuelanos, que registravam como havia sido gestado um ‘golpe de Estado’ contra Lugo por um grupo de ’mafiosos’ que, depois da queda do presidente,assumiu o poder. ‘O Brasil precisa que o Paraguai fique fora do Mercosul para, assim, apressar as eleições nesse país’, concluiu Dilma”, diz trecho do livro.
De guerrilheiro a ‘presidente mais pobre do mundo’
Nascido em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, Pepe integrou o Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros. O grupo guerrilheiro, fundado por Raúl Sendic, era contra à liderança repressiva do Uruguai, ainda antes da ditadura militar. Atuava com roubos a bancos e empresas, distribuindo o saque entre os mais pobres.
O uruguaio foi preso três vezes ao longo da vida, uma delas por causa do assassinato de um policial. Ele fugiu da prisão duas vezes –incluindo a famosa fuga de Punta Carretas–, mas foi recapturado em ambas e cumpriu cerca de 14 anos no total. Em 1972, o ex-presidente levou seis tiros e quase sangrou até a morte na calçada, após revidar uma abordagem policial em uma pizzaria.
Como prisioneiro da ditadura militar que tomou o poder em um golpe em junho de 1973, Mujica foi torturado e passou longos períodos de tempo em confinamento solitário, como contou em seu livro biográfico Mujica, publicado por Miguel Ángel Campodónico em 1999.
O ex-presidente conta ter sido mantido em confinamento solitário, privado de livros, jornais e até mesmo de luz solar por ao menos 7 anos. Ele disse que chegou a comer papel higiênico, sabão e moscas para sobreviver. Mujica foi um dos militantes utilizados como refém pelo regime em troca do desmantelamento das guerrilhas. Em 1985, ele e os outros presos políticos foram libertados sob uma anistia geral.
O Tupamaro se juntou à coalizão de esquerda conhecida como Frente Ampla (FA) e se reorganizou como um partido político legal, o Movimento de Participação Popular (MPP), para as eleições de 1989.
Como uma das principais vozes do MPP, Mujica foi eleito presidente em 2009 em segundo turno contra Luis Alberto Lacalle. Se tornou um dos grandes líderes políticos da América do Sul e sua presidência –que durou de 2010 a 2015– foi marcada por aprovação de leis pioneiras na América Latina como liberalização do aborto, legalização da maconha e casamento de pessoas do mesmo sexo.
Famoso por dirigir seu fusca azul, ganhou o apelido de “presidente mais pobre do mundo” devido às suas maneiras simples de viver. Um título que rejeitava. Pregava uma vida menos consumista e a Justiça Social, temas que marcaram a sua passagem pela presidência.
Após deixar o cargo, ele se tornou senador, posto que ocupou até 2020, quando se aposentou da vida política.
Em outubro do ano passado, em entrevista ao El País, Mujica falou sobre a morte. “Eu me dediquei a mudar o mundo e não mudei po*** nenhuma, mas estive entretido. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de mudar o mundo para melhorá-lo. E dei um sentido à minha vida. Vou morrer feliz, não por morrer, mas por deixar uma marca que me supera com vantagem. Nada mais”, declarou.