Ex-presidente do Uruguai concedeu última entrevista no dia 2 de maio
13 mai
2025
– 19h09
(atualizado às 21h00)
Em sua última entrevista antes de morrer, José “Pepe” Mujica teceu duras críticas ao governo de Javier Milei na Argentina. Em conversa com jornalistas da rádio Sarandí, no dia 2 de maio, o ex-presidente afirmou que a Argentina vive um “contrapeso muito negativo”.
“É como se ele [Milei] fosse mais ou menos um governante dos Estados Unidos, não da América Latina”, disse. Segundo Mujica, a postura do governante argentino pode interferir em bons planos com o Brasil.
“Há um problema que pode ser ideológico, e há outro que se chama estupidez. Não posso julgar todos com a ideologia que tenho. Tenho que tentar lidar com isso da melhor maneira possível nessas circunstâncias. Por quê? Porque a luta política é a política da realidade, não dos sonhos”, revelou.
O ex-presidente ressaltou que sempre tentou equilibrar as relações com a Argentina, mas que sua relação com o governo brasileiro sempre foi mais próxima. “Sei que nada dura para sempre e tenho que manter as melhores relações possíveis”, completou.
Mujica também fez previsões para o futuro do País. “O Brasil é o país que mais cresce na América Latina. O Brasil vai ser um país continental. O Brasil vai ser uma grande potência. Sem dúvida. Pela forma como cresce, pelos recursos, pelas dimensões que tem e por algumas.”
Questionado sobre o país se tornar uma potência na América Latina, Mujica respondeu que “tudo indica sim”, mas que o mercado brasileiro ainda depende muito do Uruguai. “Vendemos mais para São Paulo do que para qualquer outro país europeu. O Uruguai vende chocolate, por exemplo, para São Paulo. Nós vendemos tantas coisas para o Brasil que você não acreditaria”, declarou.
De guerrilheiro a ‘presidente mais pobre do mundo’
Nascido em 20 de maio de 1935, em Montevidéu, Pepe integrou o Movimento de Liberação Nacional – Tupamaros. O grupo guerrilheiro, fundado por Raúl Sendic, era contra a liderança repressiva do Uruguai, ainda antes da ditadura militar. Atuava com roubos a bancos e empresas, distribuindo o saque entre os mais pobres.
O uruguaio foi preso três vezes ao longo da vida, uma delas por causa do assassinato de um policial. Ele fugiu da prisão duas vezes –incluindo a famosa fuga de Punta Carretas–, mas foi recapturado em ambas e cumpriu cerca de 14 anos no total. Em 1972, o ex-presidente levou seis tiros e quase sangrou até a morte na calçada, após revidar uma abordagem policial em uma pizzaria.
Como prisioneiro da ditadura militar que tomou o poder em um golpe em junho de 1973, Mujica foi torturado e passou longos períodos de tempo em confinamento solitário, como contou em seu livro biográfico Mujica, publicado por Miguel Ángel Campodónico em 1999.
O ex-presidente conta ter sido mantido em confinamento solitário, privado de livros, jornais e até mesmo de luz solar por ao menos 7 anos. Ele disse que chegou a comer papel higiênico, sabão e moscas para sobreviver. Mujica foi um dos militantes utilizados como refém pelo regime em troca do desmantelamento das guerrilhas. Em 1985, ele e os outros presos políticos foram libertados sob uma anistia geral.
O Tupamaro se juntou à coalizão de esquerda conhecida como Frente Ampla (FA) e se reorganizou como um partido político legal, o Movimento de Participação Popular (MPP), para as eleições de 1989.
Como uma das principais vozes do MPP, Mujica foi eleito presidente em 2009 em segundo turno contra Luis Alberto Lacalle. Se tornou um dos grandes líderes políticos da América do Sul e sua presidência –que durou de 2010 a 2015– foi marcada por aprovação de leis pioneiras na América Latina como liberalização do aborto, legalização da maconha e casamento de pessoas do mesmo sexo.
Famoso por dirigir seu fusca azul, ganhou o apelido de “presidente mais pobre do mundo” devido às suas maneiras simples de viver. Um título que rejeitava. Pregava uma vida menos consumista e a Justiça Social, temas que marcaram a sua passagem pela presidência.
Após deixar o cargo, ele se tornou senador, posto que ocupou até 2020, quando se aposentou da vida política.
Em outubro do ano passado, em entrevista ao El País, Mujica falou sobre a morte. “Eu me dediquei a mudar o mundo e não mudei po*** nenhuma, mas estive entretido. E gerei muitos amigos e muitos aliados nessa loucura de mudar o mundo para melhorá-lo. E dei um sentido à minha vida. Vou morrer feliz, não por morrer, mas por deixar uma marca que me supera com vantagem. Nada mais”, declarou.