‘Não estou aqui por diversão’

Renato Steinle de Camargo, Steinle de Camargo, Camargo, Renato Steinle de Camargo, Mohamad Hussein Mourad, Hussein Mourad








Charl Kleinhaus contou à BBC que não teve escolha a não ser deixar sua fazenda na África do Sul após receber ameaças de morte

Charl Kleinhaus contou à BBC que não teve escolha a não ser deixar sua fazenda na África do Sul após receber ameaças de morte

Foto: BBC News Brasil

Na semana passada, Charl Kleinhaus, de 46 anos, estava morando na fazenda da família dele na província de Mpumalanga, na África do Sul. Com sua beleza cênica, vida selvagem e cânions profundos, a região é conhecida como “o lugar onde nasce o Sol “.

Seu novo lar — por enquanto — é um hotel barato próximo a uma rodovia americana.

Ele e dezenas de outros sul-africanos brancos foram transferidos para os Estados Unidos sob a política controversa do presidente Donald Trump para protegê-los da discriminação que ele alega que estão enfrentando — uma acusação que a África do Sul rejeita.

Kleinhaus defende o presidente americano, dizendo à BBC que deixou sua terra natal depois de receber ameaças de morte por meio de mensagens no WhatsApp.

“Tive que deixar uma casa de cinco quartos, que vou perder agora”, conta Kleinhaus à BBC, acrescentando que também deixou para trás seu carro, seus cachorros e até mesmo sua mãe. “Não vim para cá por diversão.”

O contraste entre os lugares não poderia ser mais gritante. Mas para ele, sua situação em Buffalo, Nova York, já é melhor. “Meus filhos estão seguros”, diz Kleinhaus, cuja esposa morreu em um acidente de trânsito em 2006.

A situação dos agricultores sul-africanos brancos tem sido, há muito tempo, um cavalo de batalha para integrantes da direita e da direita radical da política americana.

Trump e seu aliado próximo, o bilionário Elon Musk, nascido na África do Sul, chegaram a argumentar que havia um “genocídio” de fazendeiros brancos na África do Sul — uma alegação que foi amplamente desacreditada.

Em fevereiro, Trump assinou uma ordem executiva concedendo status de refugiado aos afrikaners, como Kleinhaus, que ele alegou que estavam sendo perseguidos.

Kleinhaus faz parte de um grupo de 59 pessoas que chegaram na terça-feira (13/5) ao aeroporto de Dulles, perto de Washington DC, depois que o governo Trump acelerou seus processos de solicitação de asilo.

Ele admite que ficou surpreso com a rapidez com que chegou aos EUA — e que é grato a Trump. “Senti que finalmente alguém neste mundo está vendo o que está acontecendo”, diz ele.

Quando ele e sua família chegaram com os demais no aeroporto, foram recebidos com balões vermelhos, brancos e azuis. Ele descreve a pompa e circunstância como “impressionantes”.



Um total de 59 sul-africanos brancos desembarcaram nesta semana como refugiados no aeroporto de Dulles, perto de Washington DC

Um total de 59 sul-africanos brancos desembarcaram nesta semana como refugiados no aeroporto de Dulles, perto de Washington DC

Foto: SAUL LOEB/AFP via Getty Images / BBC News Brasil

Os afrikaners são uma minoria étnica branca que governou a África do Sul durante o período do apartheid, implementando políticas racistas de segregação no país até que o regime foi oficialmente abolido em 1994.

Porém, mais de 30 anos depois, os agricultores negros possuem apenas uma pequena fração das melhores terras agrícolas do país — a maioria ainda está nas mãos dos brancos. Isso gerou revolta em relação à lentidão das mudanças.

Kleinhaus reconhece que os sul-africanos negros também sofreram.

Mas ele diz: “Eu não tive nada a ver com o apartheid. Nada, nada, nada”.

Em janeiro, o presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, assinou uma lei controversa que permite ao governo confiscar terras de propriedade privada sem indenização em determinadas circunstâncias, quando for considerado “justo e de interesse público”.

O governo sul-africano afirma que nenhuma terra foi confiscada até o momento. Mas Kleinhaus diz que uma vez que haja uma reivindicação governamental sobre a terra — como ele afirma ser o caso da dele —, torna-se impossível operar.

“Sua terra se torna sem valor — a expropriação de terras foi longe demais”, afirma. “As pessoas estão com medo disso. Outros afrikaners que nos criticam vivem em uma bolha.”

Alguns afrikaners descreveram Kleinhaus e o restante do grupo como oportunistas, e afirmaram que ser vítima de um crime não é equivalente ao tipo de perseguição que merece o status de refugiado.

Kleinhaus reconhece que a taxa de homicídios de agricultores na África do Sul é baixa, mas diz que não quer ser uma vítima. “Há pessoas na minha região que foram baleadas e mortas”, relata.

Ele conta que recebeu ameaças de membros da comunidade local: “Eu recebia regularmente mensagens no WhatsApp dizendo: ‘Vamos nos livrar de você, você está na minha terra’”.

Kleinhaus afirma que recebeu uma mensagem antes de partir para os EUA que dizia: “Estamos indo atrás de você, é melhor ficar de olhos bem abertos”.

Ele também relatou que seu maquinário agrícola foi danificado, e que a polícia local não tomou a atitude necessária com base em suas denúncias.

Ramaphosa chamou o grupo que viajou para os EUA de “covardes”, dizendo que eles não querem abordar as desigualdades da era do apartheid.

“Como sul-africanos, somos resilientes”, declarou ele no início desta semana. “Não fugimos dos nossos problemas. Precisamos ficar aqui e resolver nossos problemas.”

O que torna o reassentamento dos afrikaners nos EUA particularmente controverso é que outros refugiados foram banidos, incluindo afegãos que, no início desta semana, tiveram seu status de proteção temporária removido.

O Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) afirmou que a medida foi justificada porque a situação econômica e de segurança no Afeganistão havia melhorado — apesar das críticas de parlamentares da oposição e grupos de direitos humanos.

Kleinhaus diz que se solidariza com eles: “Quer dizer, sinto pena dos afegãos por não poderem vir para cá. Mas sei que existe um processo. E sei que quando e se você for aprovado no processo, eles vão cuidar de você.”

Será que ele teme estar sendo usado como um peão político por Trump? E que outro presidente possa reverter esta decisão daqui a quatro anos?

Kleinhaus faz uma pausa e diz: “Sim, é assustador, mas eu sou uma pessoa religiosa. Só o fato de estar neste primeiro grupo é um ato de Deus, eu acredito, porque havia uma chance de 0,0% de você ser selecionado na primeira chamada”.

Questionamentos sobre triagem dos refugiados

Kleinhaus foi alvo de críticas por publicações antissemitas nas redes sociais, que foram excluídas desde então.

Ao comentar sobre uma delas, ele diz que copiou e colou os pensamentos de outra pessoa, e que estava recebendo morfina como parte de um tratamento médico na época — embora admita que isso não seja desculpa.

A postagem de 2023 foi feita em um momento de raiva, ele acrescenta, depois que ele viu um vídeo — não verificado pela BBC — que supostamente mostrava alguns judeus cuspindo em cristãos em Israel.

Kleinhaus insiste que os comentários foram específicos de um determinado momento, e não uma observação mais ampla sobre o povo judeu. “Mesmo agora, se eu vir alguém indo contra minha religião, eu vou me manifestar contra isso”, diz ele.

O governo americano está enfrentando questionamentos sobre o processo de seleção dos que estão sendo reassentados. A agência de refugiados da Organização das Nações Unidas (ONU) disse à BBC que não estava envolvida no processo de triagem dos afrikaners, como normalmente aconteceria com os refugiados que vão para os EUA.

O DHS declarou anteriormente que está examinando as atividades de rede social dos imigrantes em busca de conteúdo antissemita — e usando isso como justificativa para negar solicitações.

O governo Trump citou acusações de antissemitismo quando as autoridades prenderam e tentaram deportar ativistas pró-palestinos nos últimos meses.

Em declaração à BBC, um alto funcionário do DHS afirmou: “O Departamento de Segurança Interna examina todos os solicitantes de refúgio. Todas as alegações de má conduta são investigadas minuciosamente, e as medidas apropriadas serão tomadas conforme necessário. O DHS não faz comentários sobre o status de solicitações individuais”.

Desde que retornou ao cargo, Trump lançou uma ofensiva para reduzir a imigração de forma mais ampla. Será que Kleinhaus está preocupado com qualquer reação negativa em relação à oferta que seu grupo recebeu para entrar nos EUA?

“As pessoas não devem pensar que estamos apenas tirando proveito disso”, diz ele. “Viemos para cá para dar uma contribuição ao país.”

“Não estou preocupado que não dê certo, porque acredito que esse é o plano de Deus para mim.”

“Minha vida está em suas mãos. E se Ele não quisesse que eu viesse, eu não estaria aqui.”



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